Gaia (Adoa Coelho)

Gaia é a personificação do antigo poder matriarcal das antigas culturas Indo-Européias. É a Grande Mãe que dá e tira, que nutre e depois devora os próprios filhos após sua morte. É a força elementar que dá sustento e possibilita a ordem do mundo. Nos mitos gregos, os conflitos entre Gaia e as divindades masculinas representam a ascensão do poder patriarcal e da sociedade grega sobre os povos pré-existentes.

quinta-feira, 1 de março de 2012

. Ponto

Quem nunca se sentiu sufocar?

Tenho a impressão de que vivo o dia-a-dia de maneira a quase esquecer a minha sensibilidade. Como uma capa impermeável de dentro para fora.



Se estou completamente presente sou do mais sensível que se possa imaginar. Apenas esqueço o ego, (ou será que é o ego que se esquece de mim?) e sou. Quando sonho sou esse ser sensível e luminoso. Agora, apenas por estar consciente, me perdi. A subtileza foi com a última lágrima escorrida antes de me levantar e assumir que já não iria dormir. Pelos vistos o sono tem horas especiais para mim. Lá saberá quais as horas para eu estar acordada. ACORDADA. Estou tão habituada a dormir que já nem noto. É um estado bastante comum. Mas o que quero é acordar. Olho a vela que acabei de acender. Com um gesto vibra. São várias numa unidade sensória. Uma substitui a outra. Cada qual avança sem outra razão que a de ser. Não há desistências ou hesitações. Estão ali, vivas e mortas porque é assim a natureza delas. A minha é de as sentir e observar. Tenho-as marcadas na retina dos olhos. Essas duram mais um pouco que as irmãs. As outras esquecem-se no tempo. De-existiram. Assim, simples, sem dor, sem pensar. Estou eu aqui para isso. As pedras não pensam, porque haveriam as chamas de o fazer? Existem com toda a intensidade que podem e é tudo. Sou eu que junto o resto. E esse resto nada mais é que eu. Eu em restos. Eu em tudo o que vejo e imagino das coisas e pessoas que me rodeiam. Nada mais que eu. Suspiro. É eu. É eu de mim que sai e entra. Eu. Tão vago e intenso como respirar. Se não o faço, deixo de ser nesta forma. Não é drama. É. Sem mais nada. Que venha Fernando Pessoa e leve este eu, este com letra pequena. Ele fá-lo-ia maior.
O eu grande que não sai continua preso aqui, no peito, não sei. É aí que o deixo sufocar? É aí que o sinto muitas vezes.

A água sai-nos de muitas maneiras. Chora, mija, sua, cospe. O coração complica-se. Prende-se onde se julga seguro e aprisiona-se. Tem uma gaiola muito própria. Não é só ossos. Não é só carne. Não é só sufoco. É tudo. A gaiola prende tudo. Sufoca o coração de asas que percebe a jaula como limite do ser. Quer libertar-se e não consegue. Sim, sufoca.

Bate as asas no mesmo lugar. Teme libertar-se. Fica ali salvaguardado da vida. Talvez um dia se aperceba que a gaiola é feita de ossos, mas que de tanto lhe roçar, as asas o tornam papel e rompem-no por fim. Liberta-se e sonha-se. Do sonho se liberta de novo e é. Sublimado do ser, pára a mente e deixa o Mundo para ser Mundo. Tão grande e pequeno. Cruel e sublime. Vivo e morto. Matéria e sonho. Tudo e não-tudo.
Desiste de tentar, de ser, de pensar, de querer, de ter. Vive.
Nem chora, nem ri. 

"Come chocolates piquena suja". Disse-me ele. Ouvi e continuei a comer chocolates. Queria a autorização. Ajuda a não ter medo. Ajuda a ser metade de eu. 

Quando o coração voa, liberta-se dessas partes. Fica TODO. É luz ou escuridão. O que for. Nem sequer o que deseja. Será o que for. Vai, vai sem medo. Liberta-te finalmente e vai. Vem. Fica. Não sei. É.
Já foi.

Hoje perguntaram - como foi o dia, hoje?
O dia foi... Foi. Já não é.

Mas pergunto sempre, sim, por simpatia, para poder dizer que me preocupo, claro, pergunto à espera também de outra resposta que a do costume. Talvez um dia aconteça algo excitante que mude aquela pessoa e então posso começar a fazer outras perguntas. 

E não posso fazê-las agora porquê? É o jogo que jogamos. Todos os casais o fazem. Uau! Sou todos os casais.
"Como foi o teu dia?"
“Foi.” Apenas. Sem filosofia.

Um ponto é um ponto, nós é que lhe damos o resultado final.
.
ponto

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