Gaia (Adoa Coelho)

Gaia é a personificação do antigo poder matriarcal das antigas culturas Indo-Européias. É a Grande Mãe que dá e tira, que nutre e depois devora os próprios filhos após sua morte. É a força elementar que dá sustento e possibilita a ordem do mundo. Nos mitos gregos, os conflitos entre Gaia e as divindades masculinas representam a ascensão do poder patriarcal e da sociedade grega sobre os povos pré-existentes.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Desertos

O maior deserto que alguma vez encontrei foi em mim.

Em criança ia à praia, semicerrava os olhos e deixava a imaginação tomar conta da paisagem. Atirava-me para a areia escaldante e pedia: - Água! Água! – Gatinhava um pouco e - Água! – A voz tremia, qual actriz no papel da sua vida! Arrastava-me por fim, com um braço esticado até à extremidade dos dedos, suplicava as últimas palavras... – A minha vida por um pouco de água... Água!

A minha irmã entre o riso e a vergonha de alguém mais estar a apreciar aquele espectáculo, crescia. Com o tempo acabei por acompanhar esse processo fossilizante do corpo, quantas vezes da alma também - crescer.
Dei por mim a olhar um deserto que era meu. Observava a sua superfície e perguntava se apenas existia aquilo de mim. – Quão vazia sou...- Pensava. Procurei. Acabei por abrir-me. Passei a parede da pele. Encontrei gordura, veias, sangue. Parei. A dor estava à superfície, não dentro. Ou melhor, estava tão dentro que não seria assim que a encontraria...
Penso nas gentes do deserto, aquelas que creio nunca irei encontrar. Como sobrevivem elas? Como sobrevivi eu?
Olho o tubo de ensaio onde guardei a minha vida. Descubro que ali está o que não vi antes. Não sabia ver. Cá dentro, bem guardado, tenho vida para além da vida. Rios que se encontram; mares onde o Sol, meu coração, se deita e levanta conforme as alegrias e tristezas da mente. A minha terra, carne que movimenta as pedras, ossos que me estruturam, é fértil apesar de nunca ter gerado. Sou todo o planeta Terra por dentro. Como poderia alguma vez ser vazia? Estar vazia?

E o céu? Ah esse! Encontra-se bem no alto do meu corpo, nesse lugar chamado cabeça e é infinito. As nuvens formam-nas os caracóis dos meus cabelos, também se movem quando sopra o vento, embora pense muita gente que estão quietinhas. E as minhas também gostam de brincar às esculturas. Gostam, gostam, gostam! E querem ser livres. Tento controlá-las e elas repetem até eu ouvir – Não! Somos livres!

Que fazer senão aceitar? Que fazer, se são livres?

LIVRES!