Gaia (Adoa Coelho)

Gaia é a personificação do antigo poder matriarcal das antigas culturas Indo-Européias. É a Grande Mãe que dá e tira, que nutre e depois devora os próprios filhos após sua morte. É a força elementar que dá sustento e possibilita a ordem do mundo. Nos mitos gregos, os conflitos entre Gaia e as divindades masculinas representam a ascensão do poder patriarcal e da sociedade grega sobre os povos pré-existentes.

sábado, 3 de março de 2012

Eu sou Nuvem Passageira...

A memória não se controla, não totalmente.

Quando tinha 4 anos, passou uma novela brasileira em Portugal. Não me lembro propriamente dela, sei que havia um homem muito velho e que diziam que estava louco. A palavra ficou. Era a primeira vez que a ouvia. Perguntei o significado à irmã. Lembro-me de ficar muito admirada, que não achava o homem louco. Outra coisa que ficou, foi a música e as imagens que a música passava. Uma nuvem passageira... Sou uma nuvem passageira... Sou como um castelo de areia nas ondas do mar...
Os castelos desfazem-na com as ondas. Acho que foi assim que aprendi quão impermanentes somos, embora tenha passado muitos mais anos a talvez deixar enganar-me com o que o Mundo muitas vezes quer que acreditemos.
Todos morremos e é (bom) que assim seja... É. Não é preciso ficarmos assustados com a morte, nem com o facto de envelhecermos.
Afinal de contas os nossos cabelos brancos estão apenas a preparar-nos para ir com as nuvens no vento...




Apenas, assim!
Quando me agarro ao ego é que sofro. E sou eu quem o escolhe. Se deixarmos os pensamentos irem, se não os agarrarmos com a mão da mente, eles libertam-nos.
Gosto de ser livre. E se calhar era assim que pensava quando era pequena, porque quando o era não tinha medo da morte. Nunca tive. Só mais tarde. Porquê? Não sei. Ou talvez saiba.
Talvez tenha chorado a primeira vez por causa da morte quando percebi que ela me retirava algo ou alguém que eu queria e amava muito. Ou talvez tenha sido um comportamento aprendido... Não sei. Tão-pouco importa.
Ainda não recuperei totalmente desse apego, não sei se recuperarei algum dia. Não importa. A morte vem sempre, não importa como a vemos.
E que venha. Ready or not, I'll go!

A música é linda, sem gritos, só com imagens da vida. As nuvens a passar, as ondas a ir à terra e perderem-se lá. Faz sonhar, faz pensar... Linda!
É engraçado porque visualizei alguns vídeos no Youtube em que as pessoas contavam a música e balançavam todas ao mesmo ritmo como se elas próprias fossem ondas! Sintonia. Momentos felizes. Aliás, momentos em que ninguém estava consciente a cantar ou a ser feliz. Isso é que fez daqueles momentos felizes. Ah, se deixássemos de pensar tanto em como queremos que os outros nos vejam. Ser... tão simples que complicamos.

Este ano faço 40 anos.
Nunca imaginei chegar a esta idade. Houve uma altura em que pensava morrer aos 33 porque seria fixe. Não aconteceu. A vida teve outros planos para mim. Quis que sofresse tudo o que sofri para que agora pudesse falar e escrever sobre o que escrevo. A vida é sábia! E eu, aluna boa ou má (que não sei) vou-lhe fazendo a vontade. Levanto-me quando ela me diz, como quando ela me dita. É quando a tento controlar que mais se recusa.
Mas este ano queria fazer um bolo fantástico. Um bolo como mereço! Depois a vida vai dizer-me como é o bolo que mereço. Vai ser o bolo que irei receber! Nada mais, nada menos! E como em princípio irei ser eu a fazê-lo, isto já diz alguma coisa. Deverei esperar que outra pessoa pense no bolo? Que merda! Preferia que assim fosse... Mas será melhor esperar sentada. Não acredito que vá acontecer alguma surpresa. Vou ter de ser eu a surpreender-me... Uhg! (ok, sou muitas vezes injusta...)

A Wendy está aqui dentro do meu "escritório" e quer sair. A porta não está fechada, apenas encostada e com uma frincha de +- 1 cm. Só que ela não sabe, não consegue abrir a porta. Se eu lhe fizer o favor, ela nunca aprenderá. Não abri. Mas veio a Catarina e... Mais uma oportunidade, para a Wendy aprender, perdida.

E não é assim a vida? :)
Mas a Catarina abriu a porta e ficou lá fora. Sinto frio num dos pés. Sinto o nariz a ficar um pouco húmido... Estarei a ficar constipada? Suspiro. Mais uma lição da vida para aprender! Tudo são lições, tudo oportunidades. Só depende de nós ver as lições. Se ficarmos magoados com elas, não vamos retirar a sabedoria que elas encerram. As lições não existem para nos magoar, mas para aprendermos.

Que olhinhos lindos! A Catarina mantém-se à porta e observa. Certamente quer que me levante para lhe ir dar de comer. Já sei a rotina! Ela é muito querida e paciente. Espera o que for preciso. Dá alguns sinais saltando para o meu colo, roçando nas pernas, olhando para mim como se esperasse algo. E sim, espera. Espera que lhe vá dar de comer. E eu. Eu observo do meu pedestal humano. Levanto-me ou não. Dou-lhe de comer ou não. Sou sempre eu quem decide. E se decidir não lhe dar nada? E se a vida decidir não me dar nada? A vida decide sempre. A vida sabe sempre o que é o melhor para nós, mesmo se esse melhor seja morrer. Podemos é achar que é injusto ou demasiado rápido, mas é só a nossa posição. A vida, essa, é.

quinta-feira, 1 de março de 2012

. Ponto

Quem nunca se sentiu sufocar?

Tenho a impressão de que vivo o dia-a-dia de maneira a quase esquecer a minha sensibilidade. Como uma capa impermeável de dentro para fora.



Se estou completamente presente sou do mais sensível que se possa imaginar. Apenas esqueço o ego, (ou será que é o ego que se esquece de mim?) e sou. Quando sonho sou esse ser sensível e luminoso. Agora, apenas por estar consciente, me perdi. A subtileza foi com a última lágrima escorrida antes de me levantar e assumir que já não iria dormir. Pelos vistos o sono tem horas especiais para mim. Lá saberá quais as horas para eu estar acordada. ACORDADA. Estou tão habituada a dormir que já nem noto. É um estado bastante comum. Mas o que quero é acordar. Olho a vela que acabei de acender. Com um gesto vibra. São várias numa unidade sensória. Uma substitui a outra. Cada qual avança sem outra razão que a de ser. Não há desistências ou hesitações. Estão ali, vivas e mortas porque é assim a natureza delas. A minha é de as sentir e observar. Tenho-as marcadas na retina dos olhos. Essas duram mais um pouco que as irmãs. As outras esquecem-se no tempo. De-existiram. Assim, simples, sem dor, sem pensar. Estou eu aqui para isso. As pedras não pensam, porque haveriam as chamas de o fazer? Existem com toda a intensidade que podem e é tudo. Sou eu que junto o resto. E esse resto nada mais é que eu. Eu em restos. Eu em tudo o que vejo e imagino das coisas e pessoas que me rodeiam. Nada mais que eu. Suspiro. É eu. É eu de mim que sai e entra. Eu. Tão vago e intenso como respirar. Se não o faço, deixo de ser nesta forma. Não é drama. É. Sem mais nada. Que venha Fernando Pessoa e leve este eu, este com letra pequena. Ele fá-lo-ia maior.
O eu grande que não sai continua preso aqui, no peito, não sei. É aí que o deixo sufocar? É aí que o sinto muitas vezes.

A água sai-nos de muitas maneiras. Chora, mija, sua, cospe. O coração complica-se. Prende-se onde se julga seguro e aprisiona-se. Tem uma gaiola muito própria. Não é só ossos. Não é só carne. Não é só sufoco. É tudo. A gaiola prende tudo. Sufoca o coração de asas que percebe a jaula como limite do ser. Quer libertar-se e não consegue. Sim, sufoca.

Bate as asas no mesmo lugar. Teme libertar-se. Fica ali salvaguardado da vida. Talvez um dia se aperceba que a gaiola é feita de ossos, mas que de tanto lhe roçar, as asas o tornam papel e rompem-no por fim. Liberta-se e sonha-se. Do sonho se liberta de novo e é. Sublimado do ser, pára a mente e deixa o Mundo para ser Mundo. Tão grande e pequeno. Cruel e sublime. Vivo e morto. Matéria e sonho. Tudo e não-tudo.
Desiste de tentar, de ser, de pensar, de querer, de ter. Vive.
Nem chora, nem ri. 

"Come chocolates piquena suja". Disse-me ele. Ouvi e continuei a comer chocolates. Queria a autorização. Ajuda a não ter medo. Ajuda a ser metade de eu. 

Quando o coração voa, liberta-se dessas partes. Fica TODO. É luz ou escuridão. O que for. Nem sequer o que deseja. Será o que for. Vai, vai sem medo. Liberta-te finalmente e vai. Vem. Fica. Não sei. É.
Já foi.

Hoje perguntaram - como foi o dia, hoje?
O dia foi... Foi. Já não é.

Mas pergunto sempre, sim, por simpatia, para poder dizer que me preocupo, claro, pergunto à espera também de outra resposta que a do costume. Talvez um dia aconteça algo excitante que mude aquela pessoa e então posso começar a fazer outras perguntas. 

E não posso fazê-las agora porquê? É o jogo que jogamos. Todos os casais o fazem. Uau! Sou todos os casais.
"Como foi o teu dia?"
“Foi.” Apenas. Sem filosofia.

Um ponto é um ponto, nós é que lhe damos o resultado final.
.
ponto

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Guerra de Tronos, Jogos da Fome, Fahrenheit 451

Durante estas duas últimas semanas li três livros muito diferentes, embora com os seus pontos em comum. Não os escolhi de propósito. E como é que se escolhe impropositadamente?

Bem, vou escolhendo as minhas leituras conforme aparecem à frente por casualidade ou convite de alguém. Não consigo nem gosto de ler por obrigação.

O primeiro destes livros dos quais falo é o "A Guerra dos Tronos" do George R. R. Martin.
Gostei do livro, embora tenha sido confuso lidar com tantos nomes. Tenho dificuldades em fixar os nomes de personagens de livros. Com este, o problema aumentou. Mas como acredito que o autor não terá gafes na história, deixo-me levar, literalmente, pelo que ele nos conta. É um livro muito bem escrito. Percebe-se a experiência que o autor tem a escrever conseguindo arranjar estratagemas para continuar a acção de modo interessante para os leitores. Não é por acaso que ele "vem" de Hollywood. Ele saberá, melhor do que ninguém, como fazer isso. Há muito para aprender com ele. Digo-o como escritora, sendo que vai ser  também como escritora que irei continuar a ler a saga... ok, e não só. Confesso que gostei. Fica apenas uma pergunta... Onde é que ele se inspirará com tantas traições e mortes e lutas pelo poder? Nos corredores de Hollywood?

O segundo livro é o "Hunger Games" da Suzanne Collins. Tenho dificuldades em aceitar este livro como sendo juvenil. Sei que os jovens de hoje estão expostos a muita mais violência tanto em videojogos como nas séries televisivas infantis e filmes. Ainda assim, não daria este livro a um jovem para ler. Qual a justificação para tal? Para dar valor à pseuda-liberdade que agora têm? 

Há uma coisa muito importante que todos os jovens deveriam sim, saber - é uma coisa extensível a todo e qualquer ser humano - técnicas de sobrevivência. Quem de nós conseguiria descobrir água no meio de uma montanha? Escolher, de entre montes de plantas, quais as comestíveis e as venenosas? Eu não saberia. Estamos tão longe da Natureza que nem a reconhecemos. Mas sabemos andar nas cidades. Bom, para viver nelas também é preciso uma boa dose de técnicas de sobrevivência... O que me puxou para ler o livro, além do facto da Katniss ser colega arqueira, foi o facto de viver num regime ditatorial. É estranho que muitos livros futuristas nos reservem tão triste sina! São inúmeros os livros que seguem esse caminho. É a vontade suicida de que os seres humanos acham que não conseguem ser verdadeiramente livres e precisarem mais e mais de governos que nos protejam de nós próprios? Isto quer dizer que nunca vamos chegar a crescer e ser totalmente o que podemos ser como pessoas? É para isso que vamos à escola? É para isso que trabalhamos e ganhamos dinheiro? Estamos a comprar a nossa escravatura?

O terceiro livro que li foi o Fahrenheit 451 do Ray Bradburry. O exemplar que arranjei foi em inglês, pelo que por vezes a minha compreensão não aconteceu a 100%. Mas percebi muito bem todas as implicações. É um livro muito interessante e muito bem escrito. Num Mundo em que as pessoas são instigadas a não ler, a serem felizes só porque sim. Ou melhor, a serem felizes porque a sociedade diz que não há nada melhor do que o que as pessoas têm e devem contentar-se com isso. Ler causa sofrimento. A prova aconteceu quando Montag leu um poema às amigas da esposa e uma delas se identificou tanto que, sem compreender porquê, desatou a chorar. A proibição dos livros começara porque uma minoria estava em desacordo com o que estava escrito num livro. Então, para não haver problemas, o livro foi queimado. Uma outra minoria sentiu-se insultada com outro que livro. Foi queimado. Assim por diante, até que ler em si, passou a ser proibido porque causava ...sofrimento. 

Mas havia pessoas que mantinham livros às escondidas. Os bombeiros, porque as casas eram à prova de fogo, passaram a queimar em vez de salvar. 

O interessante é que as pessoas eram incentivadas a ver uma espécie de televisão onde tinham uma família televisiva (uma mistura de novela com facebook) e fazer desportos... Futebol... Andebol... todo o tipo de desportos. Não era uma fuga à realidade, era a maneira de serem felizes não pensando. 

Havia pessoas que conseguiam fugir destas cidades e viver para os arredores. Não sei porquê, mas aqui faz-me lembrar Thoreau... Ir para os bosques...

Quando o protagonista tem de fugir, vai precisamente de encontro a essas pessoas. Intelectuais que vivem à margem de tudo e cuja sobrevivência consiste em decorar o livro de predilecção e queimá-lo para não serem apanhados. Auto-intitulam-se de pessoas-livro e são milhares. Cada pessoa-livro tem a responsabilidade de manter vivo em si o livro de sua escolha. Quando um dia a sociedade o permitir, eles, como guardiões da sabedoria contida em cada livro, ditarão as palavras e os livros serão de novo impressos.
A questão que este livro me levantou, até porque os televisores estão em cada sala de cada casa nas nossas sociedades ditas "modernas"... O que me aconteceu pensar, foi que mandar queimar livros dá muita luta. Cria muitas aversões. Atritos. É como proibir o tabaco, o álcool, as drogas, a pornografia... A literatura também tem as suas drogas e a sua pornografia. Que fazer quanto a este tipo de literatura? Proíbe-se para que a literatura... intelectualizada(?), íntegra(?),... seja  a correcta e tida como a verdadeira?

Existe melhor cobra a morder o próprio rabo?

No entanto, a literatura que nos mantém eternamente adolescentes prolifera. É o que muit@s jovens, e não só, lêem hoje em dia. 

Nós somos (também) o que lemos. E ler livros que empatam o nosso poder crítico é exactamente o antídoto perfeito para o que acontece em Fahrenheit 451. Temperatura à qual ardem os livros. Não serão precisos bombeiros para os queimar, as páginas arderão por si no conteúdo.

Enquanto formos lascivos na vida e não reclamarmos responsabilidade nela, teremos sempre alguém a ditar-nos o que, como, quando fazer e o quê. É bom ter a escolha.



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Cem Palavras e Mais


The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore (2011)
Óscar bem merecido!