A memória não se controla, não totalmente.
Quando tinha 4 anos, passou uma novela brasileira em Portugal. Não me lembro propriamente dela, sei que havia um homem muito velho e que diziam que estava louco. A palavra ficou. Era a primeira vez que a ouvia. Perguntei o significado à irmã. Lembro-me de ficar muito admirada, que não achava o homem louco. Outra coisa que ficou, foi a música e as imagens que a música passava. Uma nuvem passageira... Sou uma nuvem passageira... Sou como um castelo de areia nas ondas do mar...
Os castelos desfazem-na com as ondas. Acho que foi assim que aprendi quão impermanentes somos, embora tenha passado muitos mais anos a talvez deixar enganar-me com o que o Mundo muitas vezes quer que acreditemos.
Todos morremos e é (bom) que assim seja... É. Não é preciso ficarmos assustados com a morte, nem com o facto de envelhecermos.
Afinal de contas os nossos cabelos brancos estão apenas a preparar-nos para ir com as nuvens no vento...
Apenas, assim!
Quando me agarro ao ego é que sofro. E sou eu quem o escolhe. Se deixarmos os pensamentos irem, se não os agarrarmos com a mão da mente, eles libertam-nos.
Gosto de ser livre. E se calhar era assim que pensava quando era pequena, porque quando o era não tinha medo da morte. Nunca tive. Só mais tarde. Porquê? Não sei. Ou talvez saiba.
Talvez tenha chorado a primeira vez por causa da morte quando percebi que ela me retirava algo ou alguém que eu queria e amava muito. Ou talvez tenha sido um comportamento aprendido... Não sei. Tão-pouco importa.
Ainda não recuperei totalmente desse apego, não sei se recuperarei algum dia. Não importa. A morte vem sempre, não importa como a vemos.
E que venha. Ready or not, I'll go!
A música é linda, sem gritos, só com imagens da vida. As nuvens a passar, as ondas a ir à terra e perderem-se lá. Faz sonhar, faz pensar... Linda!
É engraçado porque visualizei alguns vídeos no Youtube em que as pessoas contavam a música e balançavam todas ao mesmo ritmo como se elas próprias fossem ondas! Sintonia. Momentos felizes. Aliás, momentos em que ninguém estava consciente a cantar ou a ser feliz. Isso é que fez daqueles momentos felizes. Ah, se deixássemos de pensar tanto em como queremos que os outros nos vejam. Ser... tão simples que complicamos.
Este ano faço 40 anos.
Nunca imaginei chegar a esta idade. Houve uma altura em que pensava morrer aos 33 porque seria fixe. Não aconteceu. A vida teve outros planos para mim. Quis que sofresse tudo o que sofri para que agora pudesse falar e escrever sobre o que escrevo. A vida é sábia! E eu, aluna boa ou má (que não sei) vou-lhe fazendo a vontade. Levanto-me quando ela me diz, como quando ela me dita. É quando a tento controlar que mais se recusa.
Mas este ano queria fazer um bolo fantástico. Um bolo como mereço! Depois a vida vai dizer-me como é o bolo que mereço. Vai ser o bolo que irei receber! Nada mais, nada menos! E como em princípio irei ser eu a fazê-lo, isto já diz alguma coisa. Deverei esperar que outra pessoa pense no bolo? Que merda! Preferia que assim fosse... Mas será melhor esperar sentada. Não acredito que vá acontecer alguma surpresa. Vou ter de ser eu a surpreender-me... Uhg! (ok, sou muitas vezes injusta...)
A Wendy está aqui dentro do meu "escritório" e quer sair. A porta não está fechada, apenas encostada e com uma frincha de +- 1 cm. Só que ela não sabe, não consegue abrir a porta. Se eu lhe fizer o favor, ela nunca aprenderá. Não abri. Mas veio a Catarina e... Mais uma oportunidade, para a Wendy aprender, perdida.
E não é assim a vida? :)
Mas a Catarina abriu a porta e ficou lá fora. Sinto frio num dos pés. Sinto o nariz a ficar um pouco húmido... Estarei a ficar constipada? Suspiro. Mais uma lição da vida para aprender! Tudo são lições, tudo oportunidades. Só depende de nós ver as lições. Se ficarmos magoados com elas, não vamos retirar a sabedoria que elas encerram. As lições não existem para nos magoar, mas para aprendermos.
Que olhinhos lindos! A Catarina mantém-se à porta e observa. Certamente quer que me levante para lhe ir dar de comer. Já sei a rotina! Ela é muito querida e paciente. Espera o que for preciso. Dá alguns sinais saltando para o meu colo, roçando nas pernas, olhando para mim como se esperasse algo. E sim, espera. Espera que lhe vá dar de comer. E eu. Eu observo do meu pedestal humano. Levanto-me ou não. Dou-lhe de comer ou não. Sou sempre eu quem decide. E se decidir não lhe dar nada? E se a vida decidir não me dar nada? A vida decide sempre. A vida sabe sempre o que é o melhor para nós, mesmo se esse melhor seja morrer. Podemos é achar que é injusto ou demasiado rápido, mas é só a nossa posição. A vida, essa, é.