Durante estas duas últimas semanas li três livros muito diferentes, embora com os seus pontos em comum. Não os escolhi de propósito. E como é que se escolhe impropositadamente?
Bem, vou escolhendo as minhas leituras conforme aparecem à frente por casualidade ou convite de alguém. Não consigo nem gosto de ler por obrigação.
O primeiro destes livros dos quais falo é o "A Guerra dos Tronos" do George R. R. Martin.
Gostei do livro, embora tenha sido confuso lidar com tantos nomes. Tenho dificuldades em fixar os nomes de personagens de livros. Com este, o problema aumentou. Mas como acredito que o autor não terá gafes na história, deixo-me levar, literalmente, pelo que ele nos conta. É um livro muito bem escrito. Percebe-se a experiência que o autor tem a escrever conseguindo arranjar estratagemas para continuar a acção de modo interessante para os leitores. Não é por acaso que ele "vem" de Hollywood. Ele saberá, melhor do que ninguém, como fazer isso. Há muito para aprender com ele. Digo-o como escritora, sendo que vai ser também como escritora que irei continuar a ler a saga... ok, e não só. Confesso que gostei. Fica apenas uma pergunta... Onde é que ele se inspirará com tantas traições e mortes e lutas pelo poder? Nos corredores de Hollywood?
O segundo livro é o "Hunger Games" da Suzanne Collins. Tenho dificuldades em aceitar este livro como sendo juvenil. Sei que os jovens de hoje estão expostos a muita mais violência tanto em videojogos como nas séries televisivas infantis e filmes. Ainda assim, não daria este livro a um jovem para ler. Qual a justificação para tal? Para dar valor à pseuda-liberdade que agora têm?
Há uma coisa muito importante que todos os jovens deveriam sim, saber - é uma coisa extensível a todo e qualquer ser humano - técnicas de sobrevivência. Quem de nós conseguiria descobrir água no meio de uma montanha? Escolher, de entre montes de plantas, quais as comestíveis e as venenosas? Eu não saberia. Estamos tão longe da Natureza que nem a reconhecemos. Mas sabemos andar nas cidades. Bom, para viver nelas também é preciso uma boa dose de técnicas de sobrevivência... O que me puxou para ler o livro, além do facto da Katniss ser colega arqueira, foi o facto de viver num regime ditatorial. É estranho que muitos livros futuristas nos reservem tão triste sina! São inúmeros os livros que seguem esse caminho. É a vontade suicida de que os seres humanos acham que não conseguem ser verdadeiramente livres e precisarem mais e mais de governos que nos protejam de nós próprios? Isto quer dizer que nunca vamos chegar a crescer e ser totalmente o que podemos ser como pessoas? É para isso que vamos à escola? É para isso que trabalhamos e ganhamos dinheiro? Estamos a comprar a nossa escravatura?
O terceiro livro que li foi o Fahrenheit 451 do Ray Bradburry. O exemplar que arranjei foi em inglês, pelo que por vezes a minha compreensão não aconteceu a 100%. Mas percebi muito bem todas as implicações. É um livro muito interessante e muito bem escrito. Num Mundo em que as pessoas são instigadas a não ler, a serem felizes só porque sim. Ou melhor, a serem felizes porque a sociedade diz que não há nada melhor do que o que as pessoas têm e devem contentar-se com isso. Ler causa sofrimento. A prova aconteceu quando Montag leu um poema às amigas da esposa e uma delas se identificou tanto que, sem compreender porquê, desatou a chorar. A proibição dos livros começara porque uma minoria estava em desacordo com o que estava escrito num livro. Então, para não haver problemas, o livro foi queimado. Uma outra minoria sentiu-se insultada com outro que livro. Foi queimado. Assim por diante, até que ler em si, passou a ser proibido porque causava ...sofrimento.
Mas havia pessoas que mantinham livros às escondidas. Os bombeiros, porque as casas eram à prova de fogo, passaram a queimar em vez de salvar.
O interessante é que as pessoas eram incentivadas a ver uma espécie de televisão onde tinham uma família televisiva (uma mistura de novela com facebook) e fazer desportos... Futebol... Andebol... todo o tipo de desportos. Não era uma fuga à realidade, era a maneira de serem felizes não pensando.
Havia pessoas que conseguiam fugir destas cidades e viver para os arredores. Não sei porquê, mas aqui faz-me lembrar Thoreau... Ir para os bosques...
Quando o protagonista tem de fugir, vai precisamente de encontro a essas pessoas. Intelectuais que vivem à margem de tudo e cuja sobrevivência consiste em decorar o livro de predilecção e queimá-lo para não serem apanhados. Auto-intitulam-se de pessoas-livro e são milhares. Cada pessoa-livro tem a responsabilidade de manter vivo em si o livro de sua escolha. Quando um dia a sociedade o permitir, eles, como guardiões da sabedoria contida em cada livro, ditarão as palavras e os livros serão de novo impressos.
A questão que este livro me levantou, até porque os televisores estão em cada sala de cada casa nas nossas sociedades ditas "modernas"... O que me aconteceu pensar, foi que mandar queimar livros dá muita luta. Cria muitas aversões. Atritos. É como proibir o tabaco, o álcool, as drogas, a pornografia... A literatura também tem as suas drogas e a sua pornografia. Que fazer quanto a este tipo de literatura? Proíbe-se para que a literatura... intelectualizada(?), íntegra(?),... seja a correcta e tida como a verdadeira?
Existe melhor cobra a morder o próprio rabo?
No entanto, a literatura que nos mantém eternamente adolescentes prolifera. É o que muit@s jovens, e não só, lêem hoje em dia.
Nós somos (também) o que lemos. E ler livros que empatam o nosso poder crítico é exactamente o antídoto perfeito para o que acontece em Fahrenheit 451. Temperatura à qual ardem os livros. Não serão precisos bombeiros para os queimar, as páginas arderão por si no conteúdo.
Enquanto formos lascivos na vida e não reclamarmos responsabilidade nela, teremos sempre alguém a ditar-nos o que, como, quando fazer e o quê. É bom ter a escolha.
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