- Bom dia, senhor Acácia!
- Muito bom dia, senhora Acácia!
- Pronta para mais um dia de trabalho?
- Sempre! Vamos render agora o turno. O Sol já quer nascer...
- É. Férias é só para quem pode.
Os senhores e as senhoras Acácia estavam sempre muito ocupados com os seus afazeres. Trabalhar com a terra era tarefa árdua, ainda mais quando esta pouco colaborava com nutrientes ou os céus faltavam com a chuva. Faziam o melhor que podiam, a cada dia que nascia. Afinal, tinham herdado de seus pais, não só o ofício, como a capacidade e amor àquela arte.
Obstinadas, conduziam os milhões de trabalhadores que baixo as suas colocações, haviam de cumprir as ordens do dia. As auto-estradas sempre ocupadas, mas nunca, nunca congestionadas, transportavam os produtos transformados e por transformar. A organização tinha de ser perfeita para que a cidade, corpo do ser, funcionasse e cumprisse o seu destino. As raízes subtraíam a matéria-prima que, em fileira, de baixo para cima, sem desperdício quer de tempo, quer de materiais, seguia para os escritórios e daí, para o resto da árvore. As células-escritório, peritas em organização empresarial, distribuíam tudo sem favorecimentos. A árvore, alter-ego da cidade, exigia que todos trabalhassem para o bem do um. Isto supunha que, dependendo das necessidades actuais, as respostas deviam estar à altura. Não havia lugar a reclamações ou greves. Já sabiam que todos ganhavam igual e trabalhavam também em igual medida, em turnos que apenas variavam segundo as estações do ano. Se bem que no inverno descansavam um pouco mais, no verão, a produção aumentava. A produção de flores seguida dos frutos, o aumento de horas de luz assim o ditavam, assim tinha de ser. Em especial os aeroportos - com a respiração na noite diminuída, a criação de oxigénio aumentava com as horas do dia a alongarem-se, para além da admissão de novos insectos. Uns ficavam apenas para almoçar ou tomar um pouco de sol, mas havia os que ficavam numa estadia mais prolongada, o que significava igualmente mais trabalho para as secretárias nas células. A recepção dos hotéis da cidade tinha de funcionar ordenadamente, os casos de sobrelotação estavam listados a vermelho e trabalhadores eram severa e invariavelmente advertidos caso alguma falha acontecesse. As ordens eram claras:
- Insectos de porte maior, devem ser deixados cair dos aeroportos e a sua estadia proibida. Outros animais devem ser expulsos caso não tenham contrato firmado com alguma das fábricas da cidade e se se recusarem a ir, mão-de-obra especializada na defesa – apenas trabalhadores temporários com autorização de residência – devem ser chamados a actuar.
As formigas e outros insectos, bastante profissionais por sinal, recebiam à comissão e quando este método não funcionava o ataque químico revelara-se bastante eficaz; que o dissessem as girafas que ignoraram os avisos dos espinhos... A enérgica acção de defesa das Acácias que se seguira fora radical. O serviço de mensageiros, entre entidades arborícolas, actuara na perfeição e dera aos generais a maior vitória das suas vidas. Não estivessem agora a desempenhar outras funções, ainda hoje estariam a festejar essa glória – a queda dura do inimigo.
Ainda que com tanto trabalho, a vida conseguia ser bastante agradável. Não era nada como a daquelas árvores nas cidades em que os ramos serviam para vandalizar, eixo de baloiços e marco de namorados. O cúmulo dos cúmulos acontecia quando as folhas caídas lhes eram retiradas dos solos, em vez de retornarem pela decomposição, à árvore-mãe... As notícias que por vezes ouviam, contadas pelos ventos, eram tenebrosas... Segundo o que se contava, árvores havia que, por dizerem não servirem para nada, eram sacrificadas sem qualquer sinal de apreço por serviços prestados. Por isto mesmo, todas as árvores vizinhas e não só, tentavam o mais que podiam, fazer horas extraordinárias. Era uma vida de sacrifício. As únicas alturas em que se permitiam um pouco de prazer, era durante os festivais de Primavera e Outono. Nessas alturas era vê-las, todas aperaltadas, vaidosas. Cada qual a mais bonita. Gabavam-se de ter fotógrafos e artistas a admirá-las e faziam-se ainda mais bonitas, como se possível fosse.
Mas tão-pouco se perdiam nesses apreços passageiros perante o muito tinham que fazer. As reparações constantes tanto da cidade interior como exterior e as mudanças de escritório pois estes ficavam disfuncionais se não actualizados, preenchia o tempo disponível que poderiam ter para desfrutar até dos seus novos produtos que se esforçavam por criar. “Suco de clorofila” era a novidade do Verão e as campanhas publicitárias começavam agora a arrancar.
“Quer sentir-se fresco e bem este Verão?
Beba “Suco de Clorofila”. A sua regeneração!”