Gaia (Adoa Coelho)

Gaia é a personificação do antigo poder matriarcal das antigas culturas Indo-Européias. É a Grande Mãe que dá e tira, que nutre e depois devora os próprios filhos após sua morte. É a força elementar que dá sustento e possibilita a ordem do mundo. Nos mitos gregos, os conflitos entre Gaia e as divindades masculinas representam a ascensão do poder patriarcal e da sociedade grega sobre os povos pré-existentes.

domingo, 11 de abril de 2010

Ser


Em tempos muito idos, ainda os girassóis eram pequenas margaridas quando um deles pensou muito a sério na sua condição. Ele, de tão pequeno que era, enfrentava problemas para agarrar um raio de Sol que o aquecesse e passava as horas de dia claro completamente frenético atrás duma pontinha de luz.

Pequenino e sozinho, sentia que havia de fazer alguma coisa.
Começou por pedir ajuda às flores vizinhas, as margaridas – Por favor, dão-me uma ajuda? – Estas diziam – Também somos pequeninas! Temos dificuldades para apanhar um bocadinho de Sol como tu.
- E se nos juntarmos? Talvez assim consigamos mudar alguma coisa!
- Não podemos, somos pequeninas. Não temos força suficiente, somos pequeninas!

Depois virava-se para os arbustos – Por favor! Podiam ajudar-me a apanhar um raio de Sol?
- Estamos muito ocupados, temos muitos problemas! Volte mais tarde.
Frustrado, virava-se para as árvores que o mantinham na sombra das suas muitas folhas – Senhoras árvores, por favor. Podiam dizer às vossas filhas que se organizem para que possamos também receber um pouco de luz directa? - Mas as árvores nem o ouviam. Não é que o fizessem de propósito, pelo menos não todas, as árvores tinham os ouvidos bem lá no alto, o que dificultava um bocadinho e as limitava nas amizades. Digamos que neste mundo – à semelhança de alguns outros por analogia...– a altura era estatuto.

As flores tinham de contentar-se com o que acidentalmente conseguiam.
Esta flor, no entanto, não estava contente com a sorte que lhe calhara. Todos os dias falava com os vizinhos pedindo ajuda e nada.
Pensou e pensou, queria mudar de vida – Se ninguém me ajuda, vou eu ajudar-me! Deve haver alguma coisa que poderei fazer. – À falta de melhor ideia, pensou que poderia tentar esticar-se o mais que pudesse. Fez isso durante um dia – Não me parece que esteja a resultar...

As flores ao lado notaram os esforços e comentavam entre si. Com olhares e risos jocosos entretiveram-se nos dias, semanas, meses seguintes. Os arbustos não se dignaram olhar, as árvores, essas... nem repararam – têm os olhos bem lá no alto, perto das orelhas...

O girassol não se importou, sabia que era possível o plano falhar, mas estava disposto a dar o seu melhor – Sempre me ocupo a fazer algo em vez de apenas me queixar – pensava de si para si.

Chegou um dia em que os arbustos inventaram outra queixa, havia uma nova sombra – Que é isto? Já não bastam as árvores? – Mais um problema para os consumir entre a água que ora insuficiente, ora sem qualidade; ora a terra pouca para tantas plantas, ora com demasiado sulfato; ora dias muito curtos, ora demasiado longos; ora, ora, ora...

Agora o murmurinho era outro. O girassol crescera tanto que ficara maior que muitos arbustos. Os girassóis mais pequenos queriam saber como ele conseguira aquele feito. As flores diziam – Oh! Somos tão pequeninas e fraquinhas... Nunca iríamos conseguir crescer tanto, somos tão fraquinhas... E pequeninas...

O girassol gigante explicou a todos quantos quiseram saber como o fizera, curiosamente só os da sua espécie se interessaram, aquela espécie de seres que sabem e lutam pelo correcto... Enquanto os companheiros se esforçavam por chegar ao tamanho que ele alcançara, a notícia espalhara-se por toda a floresta. Estava tão feliz que se tornara amarelo como o Sol, as pétalas debruaram a coroa interior de glorioso ouro. E ajudava gafanhotos e outros insectos pequenos a subir até ao seu topo, permitindo-os usar gradualmente as folhas como escada e plataforma de salto para as poças que entretanto se haviam formado no chão pelas últimas chuvas. No cimo, os insectos juntavam-se a pássaros de pequena estatura que improvisaram uma esplanada. O girassol sentia-se o rei daquela zona ainda que ao anoitecer, o cansaço se abatia sobre ele e pendia a cabeça para dormir.

O Sol exercia um poder tão forte sobre ele que o impulsionava a subir, emprestava-lhe razão para crescer. Isto era tudo o que ele sentia. Isto era tudo o que ele sabia. Todos temos o direito de exigir o Sol, ou... um lugar ao Sol, não de exigi-lo dos outros, mas de nós mesmos. E depois, se tentarmos que perdemos?

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