Gaia (Adoa Coelho)

Gaia é a personificação do antigo poder matriarcal das antigas culturas Indo-Européias. É a Grande Mãe que dá e tira, que nutre e depois devora os próprios filhos após sua morte. É a força elementar que dá sustento e possibilita a ordem do mundo. Nos mitos gregos, os conflitos entre Gaia e as divindades masculinas representam a ascensão do poder patriarcal e da sociedade grega sobre os povos pré-existentes.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Seeker




Acabou a música

Aplausos, pessoas levantadas, movimento uniforme.

A plateia vibra.

A agradecer, o ratinho cantor de ópera, eu.

Agradeço...


A partida, porta enorme a abrir, subida para a cadeira de descaracterização. Tiro os bigodes de ratinho. Limpo a minha cara. De súbito tudo diminui de tamanho. Agora vejo-me na minha realidade.

Abro a porta para o elefante que sou. Fecho a porta para o ratinho que sou no palco.

A mesma visão continua... tenho os mesmos pequeninos olhos de rato. A pele, essa, escureceu para um cinzento mais escuro.

A procura do mim que se esconde em cada desafio, em cada palco...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ser poeta



Ser poeta é sentir-se.
Sentir o Mundo.

Sentir.


Ser poeta é Amar o que se faz.

Por vezes até Amar o próprio amor, quem sabe?

Pode também ser odiar, mas Odiar de verdade...

...ou fingir que se odeia.



E sobretudo brincar, e gostar de brincar como

Comer chocolate, ou saborear um castanho chocolate!

Ou um azul que é do mar ou de uns olhos...



Ver gatos a sorrir e sorrir-lhes.

Fazer as pedras chorarem.

Dizer que “se as pedras tivessem alma seriam seres vivos.”

Gostar das pedras como são.



Dizer e contradizer, dizer coisa alguma...

Exclamar, interrogar, afirmar pintando, escrevendo... Amando.

Tentar fazer a verdade aparecer ou

Um seis, num jogo de dados.

Enfim, embebedar-se no êxtase do mais profundo Amor:

A Criação.



90.10.02

domingo, 7 de novembro de 2010

Re-Nascer




Eu sou a Alma que urge em nascer. Está quase, mas não foi suficiente o susto.
Falta a força para querer viver. Como se consegue isso?

Estou aborrecida.

Mais uma semana que passo no meu berço-pré-maternal. Ainda não encontrei o buraco de parir.
Quero, ao nascer, que o dia seja o mais belo e magnífico de todos. Vai chamar-se "O Dia em que o Amor Renasceu". Como a ave, eu me nomearei Phoenix.

Sou a criança chorante do mundo sonhado, não nascido, não berrado. Sou a criança que ainda não nasceu, quando será o dia?

Reconhecer-me-ei?

Tenho medo. Em todo o caso, quem não terá?

Estou esperando impacientemente, em êxtase.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Impressão digital




O que é feito da minha impressão digital?
O que sou eu, quando não há ninguém à minha volta?
Quem sou eu?

Se eu fosse uma flor, transformar-me-ia numa árvore, num céu, em erva, em insectos e seria a própria Natureza. Mas para as flores isso é mais fácil de aceitar (se é que têm de aceitar alguma coisa), porque elas já fazem parte da Natureza.
 Eu, no máximo, posso confundir-me nas multidões, e transformar-me multidões, e ser multidões. Mas eu sou seu. Não sei o que sou e tenho consciência disso. Perco-me em tudo o que vejo e oiço. Se ao menos me perdesse na Natureza... não seria tão grave, porque foi a condição primeira do homem.
Hoje, andamos engravatados, vestidos, engavetados, fardados, mascarados. Imitámo-nos e não sabemos quem somos. É muito fácil. Livrámo-nos de pensar e de ser. Rimos quando nos mandam e fazemos amor por contágio.

Se oiço Prince, logo danço como ele e canto como ele.
“Vejo” Picasso, e logo raciocino aos quadrados!

Não me interessa olhar as estrelas e sê-las falsamente em mim.
Se me vir ao espelho, não me reconheço e nem me sei imitar. Sou o nada em pessoa. Uma bola, que de tão geometricamente perfeita não tem nada e no nada subsiste. E aqui estou. Fecho-me em mim e internam-me por enlouquecer na minha fútil existência. Ainda mais passivamente vivendo, seguiria, convencida de ser louca, comportando-me como tal e por ter como exemplos exteriores essa “chamada” insanidade.

Quero ser eu e reconhecida como tal.
Passar pelos pássaros e eles não terem medo de mim por me verem diferente das outras pessoas.

Queria ser original, una.
Um eu como não haveria outro igual, nem mesmo imitável, fotografável ou... consciencializável!

Mentir e saber-me bem!

Deliciar-me ao reparar no “engano” de dizer nascer, em vez de acordar de manhã... e nascer sempre!...
Ah! Como era bom ver a minha impressão digital!

91.03.25

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tamanhos


Sou pequena porque preciso de mais Amor que qualquer pessoa...


Sou pequena porque Deus sabia disso e assim, quando alguém me abraça, abraça-me toda...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Segredo

Ao nosso redor, existem tantas coisas que não podemos ver, que não conseguimos sequer imaginar.


Antes e para além do arco-íris, além do seu início e do seu final, em todos os lugares! Mesmo quando olhamos para o céu, passando as nuvens e o sol.

É aí que ele vive.

- Quem? – Perguntam vós.

Xiu!... Falem baixo! Bem, acreditariam em mim se lhes dissesse que é uma espécie de dragão? Mais do que um. Na verdade existem milhares deles, a voar por toda parte!

Mas têm que fazer um esforço para acreditar em mim, porque, vocês sabem, nós não podemos vê-los. Bem... Não podemos ver todos, excepto um.

Este...

Vou falar-vos dele...

Ele era um pouco desajeitado. Sempre a cair, sempre a tropeçar em alguma coisa...

Todos os outros dragões diziam-lhe constantemente:

- Tem cuidado!

- Não te mexas!

- Está quieto!

- Está...



Creio que já devem fazer uma ideia, certo?

Bem, ele adorava brincar o tempo todo. E como todos os jovens dragões, ele gostava de jogar às escondidas e de divertir-se com as estrelas.

Mas ele era tão desajeitado!

Os dragões são invisíveis para que ninguém tente apanhá-los. É que eles gostam de ser livres. Eles gostam de voar e de observar-nos, aos seres humanos. Às vezes eles voam tão perto de nós que podemos até senti-los... Vocês sabem... Quando se sente aquela brisa morna e agradável? Sim! Às vezes, são deles!

Eles são muito curiosos!

Mas o nosso amigo era muito, muito trapalhão...

Este dia, estava ele a brincar com uma estrela - Tudo lhe acontecia...

- Não tenho sorte nenhuma! – Dizia ele.

Então, desta vez, ele tinha soluços.

- Hic, hic, hic...

Estava ele entretido a jogar com a estrela quando... Não sei se vão acreditar em mim...

Está bem, está bem! Eu conto!

Ele engoliu uma estrela - foi o que aconteceu!

- Não tenho sorte nenhuma, não tenho sorte nenhuma!... – Foi a correr para os pais, a choramingar.

Como podem imaginar, agora ele tinha esta luz na sua barriga. E todos podiam vê-la!

Os colegas começaram a chamá-lo de "lanterna"!

Muito triste, tentava esconder-se, mas não podia. A luz denunciava-o.

A fugir dos amigos, ele estava a voar tão rápido que ao passar perto do nosso planeta, se apercebeu - os seres humanos poderiam agora vê-lo - não a sua forma de dragão, invisível, mas a estrela que ele tinha engolido.

O engraçado - pensou - era que os seres humanos formulavam um desejo quando ele passava.

Da sua má sorte, ele trouxe esperança e fortuna para os demais.

Portanto, meus amigos humanos, de cada vez que virem uma estrela cadente, peçam um desejo. Pode ser o nosso amigo dragão da sorte a brincar, acenando-nos “Olá”!

domingo, 27 de junho de 2010

Chamamentos

Ela seguiu um chamamento interior forte. Entrou pelas águas calmas do mar. Pé ante pé, até que se viu obrigada a nadar para seguir. O impulso fez-se mais irresistível, não podia voltar atrás.

As águas límpidas eram fascinantes, conseguia ver até bem longe. Pequenos peixes e algas pairavam ao seu redor, mas algo maior se aproximava. Não conseguia distinguir bem o que era, uma mancha apenas que se aproximava. Não existia medo porque sentia que era aquilo que a puxava a si, com um magnetismo arrebatador. Pouco a pouco, a forma definia-se em qualquer coisa reconhecível. Tinha de respirar depressa e voltar a mergulhar, queria, tinha de ver o que era.


O chamamento era tudo, maior que o mar, maior que a vida. Nenhum pensamento de sobrevivência lhe assomou à cabeça, tudo se tornara secundário àquele ser, àquele momento, àquela revelação. Mas seria uma alucinação? Seria possível, um homem ali, vindo directamente do mar? Não podia ser, é que nem sequer era na realidade um homem, tinha cara de homem, olhos de homem, mãos de homem… as pernas eram uma cauda de peixe, brilhante e escamosa. Bizarra imagem, pensou ela e não queria acreditar.

Tentou rir e subitamente lembrou-se que já não tinha ar, havia-se esquecido de respirar perante tal… o que era aquilo? Uma alucinação, uma sereia-macho? Uma sereia-homem. Isso existia? Estaria louca? Uma quantidade abismal de perguntas enchiam-lhe a mente. A cada vez maior proximidade dele clareou-lhe os pensamentos e o espírito, nada interessava. Acontecesse o que acontecesse, estava ali, era o aqui e agora. A admiração por aquele ser que se lhe apresentava à frente gravava-lhe na memória como na alma tudo o que estava a acontecer. Nadaram juntos, o olhar interrogava, o olhar falava. Os seus músculos gritavam que voltasse à realidade de mamífero que era para se alimentarem de oxigénio. Era imperativo respirar. O tempo fugia e não coincidia com o tempo psicológico. Sentia-se criança, sem medos, sem complexos e obrigações. À beira dele estava bem e quase nem precisava de respirar.

A dada altura pararam frente a frente e olharam-se bem dentro nos olhos. Pareciam conhecer-se desde sempre. Foi aí que ela reparou num pequeno apêndice que saía do meio das escamas, pequeno e transparente, como um tentáculo de anémona… Pela primeira vez tocaram-se, ou melhor, ele tocou nela. Um choque terrível percorreu-lhe o corpo, todas as terminações nervosas responderam contorcendo-se, os olhos cerraram-se, os dentes e os lábios também e abriram-se num grito surdo. A água invadiu-lhe os pulmões, a dor era insuportável… e passou. Tentando acalmar-se e retomar o ritmo cardíaco, sem saber o que pensar, olhou as suas mãos e corpo. Já não precisava de subir à superfície, a água tornou-se o seu elemento… deu a mão à sereia-homem e foi, perdeu-se no azul das águas, juntou as suas histórias ao mar.

Estremunhada, despertou-se sorrindo, calma. Durante todo o dia sonhou acordada. Todos lhe perguntavam o que estava a acontecer com ela, que lhes parecia diferente, mais luminosa, viva, estranha. Ela apenas esperava que terminasse o dia para voltar à sua vida onde se transformava numa sereia e ia nadando pelo mar adentro, à procura de novas aventuras e lugares para viver.

Nunca contou o seu segredo a ninguém, tinha medo que se desfizesse como a espuma das ondas na areia ou perdesse o brilho, mas todos os dias lá voltava…